O bolo de aniversário

Flora Borges
3 min readMay 24, 2021

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‘Olha, que coisa mais linda’, Júlia mostra toda orgulhosa sua cria pro namorado, Alessandro. ‘Já tirei tantas fotos, como se fosse meu bebê.’

Era um bolo delicado, com cobertura de buttercream decorada com florzinhas cor de rosa e cor de salmão pintadas em relevo. Por dentro, uma massa de baunilha com recheio de creme de mascarpone com geleia de morango. Pra sustentar o bolo, um tabuleiro cor de creme escrito “Feliz Aniversário, Lu” em preto. Além do orgulho, Júlia estava bastante empolgada. Luciana foi a grande responsável por ela ter descoberto a confeitaria. Ela fez questão de fazer o bolo, só para a aniversariante ver como ela evoluiu nesses 3 anos.

‘Vamos’, diz, segurando seu bebê bolo com todo o cuidado. 
‘Essa festa não ia começar às 5? A gente tá miseravelmente atrasado’, Alessandro constata enquanto olha o celular. 
‘Não tem problema, eu já avisei pra Luciana’, acalma Júlia.

Na saída do apartamento, Alessandro chama o elevador, enquanto Júlia continua olhando toda feliz pra sua obra. O elevador chega, a porta se abre abruptamente, atinge o braço dela que estava carregando o bolo e ele tomba de cabeça pra baixo no chão. Ela sente um choque, um misto de horror e tristeza, que tomou conta do seu corpo ao ver todo o seu trabalho que fez com tanto carinho no chão. E aquele vizinho, a pessoa que abriu a porta, olhando pra ela com cara de "só me faltava essa". Não era qualquer pessoa, era justamente o vizinho que ela não conseguia escutar a voz sem se irritar.

‘Olha o que você fez! Por que diabos você sempre abre a porcaria dessa porta desse jeito?’, grita Júlia. 
'Eu não tenho culpa nenhuma disso, a culpa é sua que ficou perto da porta.'

Nesse momento, parece que o corpo de Júlia criou vida própria, a cabeça não mandava mais em nada. Se ela tivesse ouvido sua cabeça, ela pegaria o bolo acidentado e tentaria recuperá-lo. Ao invés disso, ela pegou o que restava do bolo e jogou com toda a força na cara do infeliz, isso antes de agarrá-lo pelo cabelo.

'Pelo amor de Deus, Júlia, olha o que você está fazendo’, interfere Alessandro, tentando afastá-la do vizinho, pensando no problema que ela acabou de criar, como se já não bastasse todos os problemas acumulados que ele já tinha. Alessandro abre bem rápido a porta da cozinha, vai até a área de serviço, pega uma vassoura, saco plástico pra colocar os restos do bolo e uma toalha que estava secando pro vizinho se limpar. 
'Me desculpe pelo inconveniente’, foi só o que ele conseguiu dizer. 
'Eu vou processar você!’, grita o rapaz, enquanto Júlia e Alessandro limpavam o corredor. 
'Vai nada, você é um bundão’, responde ela bem mais calma dessa vez. 
'Vou reclamar pro porteiro e pro síndico! Você não vai poder ficar andando aqui mais.’
'Pode reclamar, é o que vocês gostam de fazer, reclamar pra alguém fazer algo, precisam de babás até hoje. Bom, terminamos, nos dê licença que estamos atrasados. O elevador chegou de novo. Vamo, Alessandro.'

Quando entrou no elevador, percebeu que estava toda suja de bolo também. 
'Que se dane, não vou limpar. Precisamos ir na confeitaria pra ver se acho outro bolo agora. Ainda bem que é perto.' 
Agora Júlia estava extremamente calma, como se despedaçar o bolo na cara daquele coitado fosse uma catarse pra ela, uma coisa que ela sempre quis fazer, e agora teve a chance. 
'Não entendi bem o ataque de fúria. Tá certo que foi terrível o bolo ter caído daquele jeito, justamente com a participação daquela pessoa. Mas foi uma loucura! Um bolo tão bonito, se perder naquela cara… que pena’, lamenta Alessandro enquanto entravam no carro.

Júlia começa a rir e não consegue parar mais, como uma criança que saiu de uma brincadeira de guerra de comida. Alessandro olha pra Júlia e pensa como é possível que a mesma pessoa que estava transbordando amor por conta do bolo que conseguiu criar, de repente, com o mesmíssimo bolo, vira um monstro que ataca vizinhos.

Só consegue concluir que na verdade, não tem nada de inesperado no comportamento dela, ele faria a mesma coisa se tivesse sua coragem.

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